Alcides Godoy

Verbetes

BR RJCOC 02-10-20-10-054-006 (Base Arch/COC/Fiocruz)
Pseudônimo ou nome de referência
Alcides Godoy
Formação acadêmica
Faculdade de Medicina / Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro
Área de atuação
infectologia
Vínculo Institucional na Fiocruz
Pesquisador do IOC
Informações Biográficas

O texto completo foi elaborado pelos pesquisadores Dr. Octavio Coelho de Magalhães e Dra. Cristiane d’Avila, da Casa de Oswaldo Cruz. Os documentos estão citados nas referências bibliográficas.

Alcides Godoy nasceu na cidade de Campinas, em 7 de Janeiro de 1880. Esta cidade, como muitas outras, brasileiras, surgiu em época remota, quando as bandeiras saíram de São Paulo, em procura das Gerais e Mato Grosso. Os pais de Alcides Godoy se chamavam-se Francisco Xavier de Morais Godoy e Ana Pureza de Campos Godoy, de cujo matrimônio nasceram mais cinco filhos, Adolfo, Artur, Augusto, Amélia e Avelino, dos quais somente sobrevivem os três últimos.

Aos nove anos de idade, viu a cidade entristecer-se com o aparecimento da epidemia de febre amarela. Esta doença, mais tarde, serviria às experiências celebres de Adolfo Lutz e Emílio Ribas. O surto amarílico daquela época só muito depois foi dominado. Em 1880 já havia em Campinas quatro colégios, sobressaindo o “Culto à Ciência”, no qual, um dia, Alcides Godoy estudaria os preparatórios.

No Distrito Federal, ele foi residir na “república” de estudantes à Rua do Riachuelo, tendo encontrado entre os goianos verdadeiros e leais amigos. Foi por esta época que se revelou lutador de têmpera rija e nobre, o caráter firme do filho de Campinas que, com os fracos proventos de seu cargo, manteve as cinco pessoas estremecidas no seu próprio lar. Em 1902 nós o vemos auxiliar acadêmico da antiga Diretória de Saúde Pública Federal, na campanha contra a febre amarela e trabalhando na Santa Casa, com Antônio Austregésilo. Em 1903, formando-se em Medicina, recolheu-se, com Henrique Aragão, à família de Manguinhos, da qual só se afastaria com a morte, em 1950.

Casou-se mais tarde com a Senhora Dulce Leite de Castro Godoy e deste casamento nasceram 2 filhos: Oswaldo - químico industrial e Margarida Maria — exímia pianista.

Na “Casa de Oswaldo”, galgou todos os postos, de auxiliar em 1903, assistente em 1907, biologista da classe “N” e professor da classe “O”, pela última reforma do Instituto Oswaldo Cruz, em 1949.

Na fazenda velha do Instituto Soroterápico de Manguinhos, ou na feitura do majestoso edifício que é o atual pavilhão central do Instituto Oswaldo Cruz, Godoy se revelou de um espírito atilado, original, renovador, e profundo, que conservou até o fim da sua vida. O mecanismo das estufas, a fabricação da água destilada, o funcionamento das autoclaves, a macro e microfotografia, as balanças, os novos aparelhos de pesquisa e dosagens, o preparo dos meios biológicos de cultura, tiveram sempre no mestre um conselheiro avisado, se não um renovador seguro, naquele magnífico “Manguinhos de outrora”. A Escola de Oswaldo Cruz muito deve ao seu enciclopédico saber.

Alcides Godoy não era um didata perfeito. Os pensamentos, sempre elevados, não eram expressos por ele com a clareza dos seus conhecimentos. A palavra não lhe era fácil e, para a explanação de um problema de pesquisa, dava, não raro, pela rapidez das deduções, o começo e o fim da questão, deixando ao principiante a descoberta do resto. Possuía, todavia, essa qualidade rara - a originalidade da pesquisa. Para o progresso real da ciência, não basta cultura vasta e profunda, não é suficiente conhecer com pormenores todas as técnicas, passadas e presentes, e muito menos trazer no cérebro esse amargo cepticismo dos vencidos. É indispensável possuir, além de tudo aquilo, entusiasmo, inabalável fé na ciência e, principalmente, esta faceta rara do espírito, de ver claro onde os demais se debatem nas trevas; de encontrar a verdade nova, onde quase todos só pressentem os desenganos. É essa qualidade excepcional da inteligência que permitiu a um Carlos Chagas, retirar da mata virgem de doenças tropicais, que era Lasance em 1909, a componente nova da tripanossimíase americana. Era essa mesma chama que alumiava o talento de Alcides Godoy, como de um Adolfo Lutz, para não falar senão de alguns mortos da escola de Manguinhos.

Em 1903, Oswaldo Cruz, já interessado em pesquisas sobre o carbúnculo sintomático, convidou o então estudante de medicina Alcides Godoy (1880 – 1950) para ingressar, como auxiliar acadêmico, no Serviço de Profilaxia da Febre Amarela da Diretoria Geral de Saúde Pública, a fim de trabalhar na produção de soros e vacinas. Nesse período, Cruz acumulava a função de diretor deste serviço e também do Instituto Soroterápico Federal (que viria a ser denominado Instituto Oswaldo Cruz, em 1908, e, posteriormente, Fundação Oswaldo Cruz). Atento às pesquisas em curso no exterior, Oswaldo Cruz já havia adquirido e consultado a obra de Arloing, Cornevin e Thomas. Incansável na busca por respostas, colocou os colegas do Instituto Ezequiel Dias e Rocha Lima para investigarem a moléstia, mas após 1905 Godoy tornou-se o responsável pelo projeto. Enquanto isso, Henrique da Rocha Lima, pesquisador e “braço direito” de Oswaldo Cruz, usando técnica aprendida durante uma estadia na Alemanha, obteve colônias anaeróbicas do germe, cedendo-as a Godoy para investigação científica.

Voltado totalmente à pesquisa, Godoy foi original: empregou um meio de cultura especial para bactérias anaeróbicas, com uso de glicose, a fim de obter uma “raça” diferenciada de bactérias de virulência atenuada, criando uma vacina com o Clostridium chauvoei. Logo que foram confirmadas, em laboratório, as propriedades vacinantes de suas culturas, Godoy viajou, em 1906, para Juiz de Fora, Minas Gerais, em companhia dos pesquisadores do Instituto Rocha Lima e de Carlos Chagas, para executar os testes finais. A primeira demonstração pública da vacina, entretanto, não obteve o resultado esperado e alguns animais faleceram. De volta a Manguinhos, Godoy descobriu a causa do insucesso: uma maior virulência do lote da vacina preparada para o teste. Corrigida a falha, novas inoculações foram feitas, desta feita com absoluto sucesso. A descoberta fez o então Instituto Oswaldo Cruz produzir e fabricar em escala comercial, a partir de 1908, a primeira vacina veterinária brasileira de combate a doenças infectocontagiosas. Um marco na história da veterinária brasileira e mundial.

É importante ressaltar que após a obtenção do registro da patente da vacina, Godoy efetuou uma escritura de cessão que transferia sua descoberta para o IOC, com o propósito de incentivar as atividades de exploração industrial do imunizante. A verba obtida com a venda da vacina auxiliou a instituição a cobrir gastos com o ensino, a pesquisa e a produção, sem submeter-se à burocracia governamental vigente, ao mesmo tempo em que representou um estímulo aos pesquisadores para o desenvolvimento de produtos biológicos a serem patenteados e vendidos.

O próprio Oswaldo Cruz, em função da repercussão e da originalidade do processo desenvolvido por Godoy, aconselhou-o a patentear em seu nome a invenção. A carta patente nº 5.566 foi obtida em 24 de novembro de 1908. A publicação no Diário Oficial se deu em 6 de dezembro daquele ano. Ainda em 1908, cedeu, por escritura pública, ao Instituto Oswaldo Cruz, representado por seu diretor Oswaldo Cruz, os direitos de exploração comercial do seu privilégio de invenção (a vacina contra a manqueira).

No mesmo ano de 1908, Godoy publicou, com a colaboração de Gomes de Faria (que havia sido recentemente contratado pelo IOC), um trabalho analisando as variáveis no meio de cultura que poderiam ter causado a maior virulência da vacina responsável pelos problemas em Juiz de Fora, confirmando-se que a concentração da glicose havia sido a responsável pela redução da virulência da vacina (aspecto que havia sido identificado e solucionado por Godoy naquela ocasião, em 1906).

Além de dedicar-se ao tema da manqueira, como sua atividade principal, Godoy desenvolvia outras atividades – como era de praxe entre todos os pesquisadores de Manguinhos –, como a produção dos soros antidiftérico e antitetânico, e na dosagem do soro antipestoso. Com Astrogildo Machado, desenvolveu, em 1918, outra importante vacina produzida e comercializada pelo IOC, contra o carbúnculo hemático. Outra frente importante de trabalho de Godoy em Manguinhos foi a criação de diversos dispositivos e aparelhos para facilitar e aperfeiçoar os procedimentos de produção, como o “frasco Dr. Godoy”, desenvolvido por ele para facilitar a coleta de mosquitos pelos “mata-mosquitos” que atuavam nas campanhas sanitárias.

Godoy foi também professor do curso de aplicação do Instituto, criado em 1908 para oferecer treinamento experimental nas áreas de microbiologia e zoologia médica e fez três viagens de estudo à Europa. Em 1912, foi enviado aos Laboratórios de Leipzig, na Alemanha, a fim de acompanhar pesquisas concernentes a questões de físico-química aplicada à ciência médica. Em 1919, permaneceu quatro meses na Europa; foi designado para esta viagem a partir da solicitação, feita a Manguinhos pela representação diplomática inglesa, para que algum médico embarcasse num navio inglês aportado no Rio cujo médico de bordo havia adoecido. Esta foi, conforme relatou certa ocasião, a única vez que exerceu a clínica médica. Finalmente, em 1925, esteve na Itália acompanhando Carlos Chagas no 1º Congresso de Malariologia, realizado em Roma, e para estudar os modernos processos de profilaxia da malária empregados naquele país.

Integrante do chamado “jardim da infância da ciência”, como Oswaldo Cruz carinhosamente chamava o grupo inicial de pesquisadores de Manguinhos, Godoy sempre gozou da confiança e apreço tanto de Cruz quanto de seu sucessor, Carlos Chagas, substituindo-os, várias vezes, em suas ausências, na direção do instituto. Faleceu em 30 de janeiro de 1950, aos 70 anos. Na década de 60 a família Godoy saiu da sociedade, que ficou com a família de Machado. A firma, que continua a fabricar a vacina da manqueira, foi vendida recentemente pelos seus descendentes e pertence hoje à empresa Bravet’.

Referências Bibliográficas

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GODOY, Alcides. Discurso na colocação da pedra fundamental do Monumento Nacional à Memória de Oswaldo Cruz por ocasião dos congressos133 médicos comemorativos do 1° centenário da Academia Nacional de Medicina. Revista Médico-Cirúrgica do Brasil. Rio de Janeiro, v. 37, p. 305-306, 1929.

GODOY, Alcides. Electrodiagnostico. 1904. Tese (Doutorado)-Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, 1904.

GODOY, Oswaldo. Primeira vacina veterinária desenvolvida e fabricada no Brasil completa 100 anos. Rio de Janeiro: Agência Fiocruz de Notícias, 2008. Disponível em: https://agencia.fiocruz.br/primeira-vacina-veterin%C3%A1ria-desenvolvid…

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