Verbetes

O texto completo elaborado foi retirado na íntegra do site da Biblioteca Virtual Carlos Chagas, disponível em: https://www.bvschagas.coc.fiocruz.br/php/.
Filho do cafeicultor José Justiniano Chagas e de Mariana Cândida Ribeiro de Castro Chagas, Carlos Justiniano Ribeiro Chagas, mais conhecido como Carlos Chagas, nasceu na Fazenda Bom Retiro em Minas Gerais, no município de Oliveira, em 9 de julho de 1878. Construída na segunda metade do século XVIII, a Fazenda Bom Retiro foi uma das primeiras propriedades estabelecidas em Oliveira, anterior ao povoado que daria origem à cidade. Com grandes extensões de terra, tinha como atividades principais a pecuária de corte e leiteira e o cultivo de cana-de-açúcar e café. José Chagas, seu pai, morreu, quando Carlos tinha apenas quatro anos. Após o infortúnio, sua mãe resolveu mudar com os cinco filhos para a Fazenda Boa Vista, próxima a Juiz de Fora, também no estado de Minas Gerais, para administrar de perto a sua produção.
Aos oito anos de idade, foi estudar no Colégio São Luís, na cidade de Itu, em São Paulo, um dos mais importantes e rígidos estabelecimentos de ensino do Brasil no século XIX, dirigido por jesuítas. No entanto, em 1888, ao saber que os escravos, estariam depredando as fazendas da localidade, devido a abolição da escravatura, fugiu da escola para encontrar sua mãe e acabou sendo expulso. Após o ocorrido, foi transferido para o Ginásio São Francisco, em São João Del-Rei, Minas Gerais, outra renomada instituição de ensino do estado de Minas Gerais.
Em 1895, ao finalizar o ensino secundário, sucumbe aos desejos de sua mãe e vai estudar Engenharia na Escola de Minas de Ouro Preto, tradicional centro de ensino superior. Contudo, pouco se dedicou aos estudos, se entregando aos hábitos boêmios e acabou adoecendo, motivo que o levou de volta para a casa da família. Nesta temporada em casa, obteve o apoio do tio médico e do avô, venceu a resistência da mãe e em 1897 mudou-se para o Rio de Janeiro, capital federal, para estudar medicina na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Naquela ocasião, a capital federal vivia um momento de grande efervescência. A proximidade do novo século intensificava a crença em um novo tempo, onde o Brasil, guiado pela ciência, poderia se tornar, enfim, uma nação “civilizada”, com as benesses de uma capital urbanizada e industrializada com a presença de luz, do telégrafo, do telefone e demais confortos e serviços.
Desde a década de 1880, vários professores da Faculdade defendiam que o ensino médico deveria incorporar os preceitos e práticas da medicina experimental, ou seja, da pesquisa no laboratório visando à produção de novos conhecimentos. Chagas, na universidade, se inspirou muito em seus mestres Miguel Couto, que lhe apresentou as noções e as práticas da clínica moderna, e Francisco Fajardo, que lhe apresentou o estudo de doenças tropicais, especialmente a malária, doença que seria importante objeto de estudo em sua carreira.
Em 1902, para elaborar sua tese, levou uma carta de recomendação de seu professor Miguel Couto, dirigindo-se ao Instituto Soroterápico Federal, na fazenda de Manguinhos, e entregando-a ao Dr. Oswaldo Cruz. Chagas elegeu como tema de seu estudo o ciclo evolutivo da malária na corrente sanguínea, e em março de 1903 concluiu a tese, o "Estudo Hematológico do Impaludismo".
Oswaldo Cruz, que assumiu simultaneamente a direção de Manguinhos e a Diretoria Geral de Saúde Pública, convidou Chagas para ser médico do Instituto, cargo que foi recusado por preferir, em 1904, trabalhar como clínico no Hospital Paula Candido, localizado em Jurujuba, Niterói, Rio de Janeiro. No mesmo ano, montou seu consultório no Rio de Janeiro e casou-se com Iris Lobo, filha do senador mineiro Fernando Lobo Leite Pereira, que conhecera por intermédio de Miguel Couto. Da união tiveram dois filhos - Evandro e Carlos Filho, que também se formaram em Medicina.
Em 1905, a Companhia Docas de Santos solicitou a Oswaldo Cruz, então Diretor Geral de Saúde Pública, providências para combater uma epidemia de malária entre os trabalhadores que construíam uma hidrelétrica em Itatinga, São Paulo. Carlos Chagas foi comissionado para coordenar a campanha. O cientista defendia a posição que, para evitar a propagação da doença em regiões em que não havia ações sistemáticas de saneamento, seria necessário concentrar as medidas preventivas nas moradias dos trabalhadores, onde estavam também os mosquitos infectados com o parasito da malária.
Estabeleceu muitas parcerias ao longo da sua trajetória. Em 1906, junto com Arthur Neiva, seguiu para Xerém, para organizar o saneamento na Baixada Fluminense, onde estavam acontecendo obras para a captação e bombeamento de água para o Rio de Janeiro. Com os resultados, Chagas confirmou a sua teoria da infecção domiciliar da malária.
Em 1908, Chagas e Belisário Penna, também médico da Diretoria Geral de Saúde Pública, partiram para o norte de Minas Gerais, em continuidade à campanha contra a malária. A epidemia paralisou as obras de prolongamento da Estrada de Ferro Central do Brasil no trecho entre Corinto e Pirapora. Desde sua inauguração em 1855, essa ferrovia era vista como um dos principais meios de integração do território nacional, fato que reforçou o empenho da equipe. Enquanto pernoitaram em um rancho, Penna observou e capturou exemplares de um inseto que já era conhecido dos engenheiros da Estrada de Ferro Central do Brasil. Era chamado popularmente de “barbeiro”, pelo fato de sugar o sangue de suas vítimas preferencialmente no rosto e à noite, enquanto estas dormiam. Segundo a descrição de Chagas, o barbeiro se alojava e se escondia nas frestas das paredes sem reboco e cobertas de capim de habitações pobres.
Chagas enviou alguns mosquitos barbeiros a Oswaldo Cruz, em Manguinhos. Depois de colocá-los para picar macacos criados em laboratório, este percebeu que alguns animais haviam adoecido e apresentavam tripanossomas no sangue. Chagas foi informado dos resultados das experiências. Voltando a Manguinhos, concluiu que o protozoário era uma nova espécie de tripanossoma, e o batizou de Trypanosoma Cruzi em homenagem a Oswaldo Cruz. A nota anunciando a descoberta do parasito foi publicada em 1909 na revista alemã “Archiv für Schiffs-und Tropen-Hygiene”. Oswaldo Cruz fez a divulgação pessoalmente do experimento de seu discípulo na Academia Nacional de Medicina. Em 26 de outubro de 1910, Carlos Chagas foi convidado a fazer parte da Academia Nacional de Medicina, mesmo com todas as cadeiras já ocupadas.
A Doença de Chagas passou a ser um dos principais temas investigados no Instituto Oswaldo Cruz. Carlos Chagas, com o auxílio de outros pesquisadores, passou a se dedicar ao estudo da doença em seus vários aspectos: as características biológicas do vetor e do parasito, os reservatórios do Trypanosoma Cruzi, as manifestações clínicas e a evolução da doença, os métodos de diagnóstico e possíveis formas de terapêutica.
Os trabalhos acadêmicos sobre a doença foram apresentados nas principais associações médicas do país e do mundo. Em 1911, na Exposição Internacional de Higiene e Demografia, em Dresden, Alemanha, a nova enfermidade despertou grande interesse. Em 1912, Chagas recebeu do Instituto de Doenças Marítimas e Tropicais de Hamburgo o Prêmio Schaudinn, de protozoologia. No ano seguinte, foi indicado ao Prêmio Nobel de Medicina. Na época, o governo federal garantiu recursos para a construção de hospitais, em Lassance e em Manguinhos, destinados a investigar a doença. A recém batizada moléstia tropical, passou então a ser vista no universo científico global, como "doença do Brasil", pois em vários sentidos simbolizava um país norteado pela doença e pela pobreza.
Após a morte de Oswaldo Cruz, em 1917, Chagas foi nomeado pelo então presidente da República, Wenceslau Braz, diretor do Instituto Oswaldo Cruz, cargo que ocuparia até o fim de sua vida. Seguindo o modelo implantado por Cruz, ampliou as atividades de pesquisa, ensino e produção, que continuaram em estreita vinculação com as demandas da saúde pública. Foram muitos os pesquisadores do Instituto, que se aperfeiçoaram no exterior incentivados pela diretoria de Carlos Chagas. A fim de conferir maior formalidade às áreas de trabalho, estabeleceu seções científicas: Bacteriologia e Imunidade, Zoologia Médica, Micologia e Fitopatologia, Anatomia Patológica, Hospitais e Química Aplicada. Em 1918, inaugurou o Hospital Oswaldo Cruz, destinado à internação de portadores de doenças infecciosas (entre elas a tripanossomíase americana) e as pesquisas clínicas.
No campo do ensino, Chagas ampliou o Curso de Aplicação de Manguinhos, oferecido desde 1908 para a formação de pesquisadores em microbiologia e zoologia médica. Diversificou e ampliou a produção de Manguinhos, estimulou a comercialização desses produtos, ampliando assim a renda própria que, desde o período de Oswaldo Cruz, era fundamental ao funcionamento do Instituto. Dentre tais produtos, destacava-se a vacina desenvolvida por Alcides Godoy para combater o carbúnculo sintomático ou “peste da manqueira”, que atacava o rebanho bovino. Uma medida fundamental para a expansão da área de produção foi a organização, em 1918, do Serviço de Medicamentos Oficiais, criado pelo governo federal com o objetivo de produzir e fornecer, gratuitamente ou a preços subsidiados, a quinina (profilático e terapêutico para a malária) e outros medicamentos. A partir de 1920, o Instituto assumiu também a responsabilidade pelo controle da qualidade dos imunobiológicos fabricados ou importados pelos laboratórios nacionais.
Chagas estabeleceu importante rede de relações com pesquisadores e instituições científicas de vários países, promovendo intercâmbios e cooperações. Em 1923, por exemplo, promoveu a criação do Instituto Franco-Brasileiro de Alta Cultura e a fundação da Sociedade de Biologia do Rio de Janeiro, filiada à Sociedade de Biologia de Paris.
Embora tenha sido prestigiado por assumir o papel que anteriormente fora creditado a Oswaldo Cruz, Carlos Chagas passou por inúmeras dificuldades devido ao cenário de turbulências da década da 1920. Recebeu muitas críticas devido à concorrência com outros produtores de imunobiológicos, a insuficiência das dotações orçamentárias do Instituto e a inflação, intensificada com a Primeira Guerra Mundial, que levou ao desgaste de sua infraestrutura e a desvalorização salarial de seus funcionários. Ainda assim, Chagas conseguiu manter alguns dispositivos fundamentais do modelo firmado por Oswaldo Cruz, como a autonomia financeira face ao orçamento federal, propiciada pela venda de produtos fabricados na instituição.
Carlos Chagas teve atuação de destaque nos debates e nas ações sanitárias sobre a saúde pública brasileira nas primeiras décadas do século XX. A sua célebre frase: “O Brasil é um imenso hospital”, fazia coro às denúncias de Euclides da Cunha quanto ao abandono dos sertões brasileiros, por parte do Estado. Alertou ao longo de sua carreira, para a importância que endemias rurais, como a malária, a ancilostomíase e a Doença de Chagas, fossem combatidas e o quanto isso era importante para o desenvolvimento do Brasil como nação, bandeira principal do chamado movimento sanitarista. No meio acadêmico, sempre afirmou que os estudantes de medicina deveriam preparar-se para lidar não apenas com as doenças urbanas comuns, mas principalmente com as enfermidades típicas do interior, que ao seu ver eram o principal motivo de preocupação para o país.
Chagas fez parte de uma campanha criada e dirigida por Belisário Penna - a Liga Pró-Saneamento do Brasil (1918-1920) - que reivindicava a intervenção do governo federal no campo da saúde pública. A campanha foi aderida por muitos políticos, cientistas e intelectuais.
Carlos Chagas assumiu, a convite do presidente da República Wenceslau Braz, a responsabilidade de comandar a assistência médica à população, na ocasião em que a pandemia da gripe espanhola chegou ao Brasil, em 1918. Providenciou a instalação de hospitais e postos emergenciais de consulta em diferentes pontos da cidade do Rio de Janeiro e, por meio da publicação de anúncios nos principais jornais, buscou a colaboração de seus colegas de profissão para o enfrentamento da epidemia.
No governo de outro presidente, Epitácio Pessoa, Chagas foi nomeado para a Diretoria Geral da Saúde Pública, transformada posteriormente em Departamento Nacional de Saúde Pública. Assumiu a direção concomitante ao seu posto em Manguinhos. Construiu um extenso código que modernizou a legislação sanitária brasileira e a estendeu ao interior do país, principalmente no que se referia ao combate às endemias rurais. Recebeu a importante colaboração da Fundação Rockefeller, que atuava no país desde 1916, na profilaxia da ancilostomíase e da febre amarela. Foi com o apoio desta Fundação que pôde ser criado em 1922 o Serviço de Enfermeiras, dirigido pela enfermeira norte-americana Ethel Parsons, a partir do qual fundou-se a Escola de Enfermagem Anna Nery. Os cuidados com a maternidade e a infância, a assistência hospitalar e o combate à tuberculose, sífilis e lepra foram também contemplados com serviços especializados.
Em 1925, foi nomeado primeiro titular da cátedra de medicina tropical da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro, disciplina criada como parte da reforma do ensino superior implementada na ocasião.
Com o turbulento governo de Arthur Bernardes, Chagas deixou a direção do Departamento Nacional de Saúde Pública em 1926. O momento foi marcado por críticas, já que havia um surto de varíola na capital e um risco de uma epidemia de febre amarela. Clementino Fraga lhe sucedeu no cargo.
Foi representante brasileiro no Comitê de Saúde da Liga das Nações, a partir de 1922. No âmbito dessa associação, idealizou e dirigiu o Centro Internacional de Leprologia, inaugurado em 1934, com sede no Instituto de Manguinhos.
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