Antonio Gonçalves Peryassú

Verbetes

Base Arch/COC/Fiocruz
Pseudônimo ou nome de referência
Antônio Peryassú
Formação acadêmica
Farmácia e Medicina
Área de atuação
Medicina Tropical
Entomologia Médica
Vínculo Institucional na Fiocruz
Pesquisador do Instituto Soroterápico Federal
Informações Biográficas

O texto completo foi elaborado pelos pesquisadores Dr. Ricardo Lourenço de Oliveira, do Instituto Oswaldo Cruz e Dr. Francisco dos Santos Lourenço, da Casa de Oswaldo Cruz. Os documentos estão citados nas referências bibliográficas.

Natural de Igarapé-Miri, interior do estado do Pará, Antonio Gonçalves Peryassú nasceu no dia 19 de novembro de 1879, filho de Napoleão Manoel Gonçalves e Benedita Pinheiro Gonçalves. No período da "belle époque amazônica", estudou na Escola Modelo, anexa à Escola Normal, e no Liceu Paraense, tradicionais estabelecimentos públicos de ensino de Belém. Antes de se transferir para o Rio de Janeiro com o propósito de cursar medicina, obteve em 1902 o diploma de farmacêutico pela Faculdade de Medicina da Bahia. Peryassú se casou com a também paraense Georgina Nunes Bezerra, neta de Antonio Gonçalves Nunes, barão de Igarapé-Miri, tendo com ela quatro filhos: Demétrio (que seria médico como o pai e prestigiado dermatologista), Dagmar, Carmen e Célia.

Em 1903, ao ingressar na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (FMRJ), Peryassú testemunhou a eclosão de uma epidemia grave de febre amarela que resultou em centenas de doentes e mortos na capital federal. Para fazer frente a esse desastre sanitário, Oswaldo Cruz, no comando da Diretoria Geral de Saúde Pública, recrutou estudantes para o recém-criado Serviço de Profilaxia da Febre Amarela (SPFA), que contava com uma brigada de 2.500 homens. Embora o número de casos e a letalidade da doença tivessem diminuído em 1904, Peryassú foi nomeado, por Oswaldo Cruz, como auxiliar acadêmico do SPFA22, função que exerceu de forma ininterrupta até concluir o curso médico.

A atuação de Peryassú nas campanhas antiamarílicas o aproximaria da entomologia médica, e as ações de campo do próprio SPFA resultariam na reunião de farto material útil à confecção de sua futura tese de doutoramento. Assim, Oswaldo Cruz estimulou o jovem paraense a desenvolver, em Manguinhos, uma tese baseada em mosquitos. Trata-se da "primeira tese sobre insetos" na história da Instituição. Os conteúdos do proêmio desse trabalho monográfico e da correspondência entre Oswaldo Cruz e Lutz, apontam que o próprio Oswaldo orientou o estudo de Peryassú, com a colaboração de seu assistente Arthur Neiva. Porém, durante a elaboração da tese, entre 1906 e 1907, Oswaldo Cruz fez consultas a Lutz sobre algumas dúvidas surgidas quanto à distribuição geográfica e definição taxonômica de espécies de mosquitos, além de pedir autorização para que Peryassú utilizasse um esquema que Lutz havia produzido sobre padrões de manchas nas asas de um Toxorhynchitinae, subfamília de mosquitos não hematófagos muito coloridos. Oswaldo Cruz chegou a cogitar o envio de Peryassú para uma capacitação junto a Lutz, em São Paulo, no ano de 1907, mas desistiu devido ao prazo curto que o pupilo teria para defender a tese intitulada "Os culicídeos do Brazil" e declarada como "Trabalho do Instituto de Manguinhos", a tese de Peryassú foi apresentada à Cadeira de História Natural Médica, da FMRJ, em 16 de julho de 1907, e que foi defendida em 3 de janeiro de 1908. A banca examinadora, composta por Antonio Augusto de Azevedo Sodré (1864–1929), Oscar Frederico de Souza (1870–1941), Júlio Afrânio Peixoto (1876–1947) e Raul Leitão da Cunha (1881–1947), elogiou a tese, tendo Peixoto assim se dirigido ao discípulo de Oswaldo Cruz: "Saúdo em V. Ex. o Theobald brasileiro!

Na tese foram abordados aspectos da taxonomia, sistemática, distribuição geográfica, comportamento, biologia e controle dos mosquitos. No que concerne à taxonomia e sistemática, Peryassú incluiu as descrições originais de oito espécies novas para a ciência, sendo que em seis delas os autores eram dois pesquisadores de Manguinhos e o seu consultor, Adolpho Lutz. A autoria dessas seis espécies lhe tinha sido equivocadamente atribuída por décadas e apenas recentemente corrigida, sendo: Arribalzagia pseudomaculipes Chagas (= Anopheles pseudomaculipes), Cycloleppteron intermedius Chagas (= Anopheles medialis Harbach), Taeniorhynchus albicosta Chagas (= Coquillettidia albicosta), Myzorhynchella gilesi Neiva (= Anopheles gilesi), Megarhinus fluminensis Neiva (= Toxorhynchites theobaldi Dyar & Knab) e Janthinosoma albigenu Lutz (= Psorophora albigenu). Duas espécies são de sua própria autoria: Melanoconion chrysothorax (= Culex chrysothorax, nomen dubium) e Sabethes purpureus [= Sabethes purpureus (Theobald)]. Mas, como a forte opinião de Lutz teve influência na elaboração da tese, e este seguia a escola britânica, as partes relativas à taxonomia de "Os culicídeos do Brazil" foram essencialmente inspiradas nas propostas de classificação de Theobald. Pouco antes da defesa da tese, Oswaldo Cruz, em visita a Washington, em 1907, ficou impressionado com o trabalho dos norte-americanos e lamentou que seu orientando tivesse desprezado as propostas desses últimos e seguido Theobald sem questionamento. A tese de Peryassú, embora extensa e bem ilustrada para os padrões da época, não teria trazido original contribuição para a taxonomia e sistemática dos mosquitos do mundo, segundo opinião de Knab, em carta a Lutz, em 1909. Mas, o reconhecimento do esforço de Peryassú foi traduzido em homenagem com a descrição do mosquito Anopheles peryassui por dois norte-americanos, dentre os quais o próprio Knab.

Além da taxonomia, a tese incluiu rica informação no que tange à biologia e ao comportamento das espécies tratadas, com maior ênfase àquelas vetoras de doenças que grassavam no país, gerando inclusive proposta original para o controle do mosquito vetor da febre amarela urbana, o Ae. aegypti. Tal proposição de controlar o inseto, que representava uma das principais ameaças à saúde pública e desenvolvimento do país, com o simples uso da água do mar recebeu particular atenção da imprensa tanto leiga quanto acadêmica da época.

Em Manguinhos, Peryassú pôde usufruir da troca de conhecimento com pesquisadores que ali já vinham estudando e colecionando mosquitos e do exame desse material de referência. Durante a elaboração da tese, surgiram as primeiras produções acadêmicas de Peryassú: publicou uma nota sobre o mosquito silvestre Dendromyia medioalbipes, foi a São Paulo, em 1907, expor os resultados parciais de sua pesquisa de doutoramento no VI Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia, e os mosquitos por ele estudados participaram da coleção que Oswaldo Cruz exibiu, com sucesso, na Exposição de Higiene anexa ao XIV Congresso Internacional de Higiene e Demografia de Berlim.

Em 1908, a despeito do considerável investimento no estudo dos mosquitos em Manguinhos, Peryassú deixou o Rio de Janeiro, voltando a se radicar em seu Estado natal, após uma breve temporada no exterior ainda nesse mesmo ano. Pouco se sabe a respeito de suas missões ao estrangeiro. Ele teria visitado importantes centros de pesquisas da Europa, como os institutos Pasteur de Paris e de Medicina Tropical de Berlin e Londres38. Como testemunho da passagem de Peryassú pelo Instituto Pasteur, existe um exemplar de sua tese na biblioteca da Instituição com a seguinte dedicatória: "Ao sábio professor dr. Marchoux. Oferece o autor. Paris 13-5-08". Trata-se de Emile Marchoux (1862–1943), quem Peryassú conhecera quando da participação do pesquisador francês na Missão Pasteur, que veio estudar a epidemia de febre amarela no Rio de Janeiro, a convite de Oswaldo Cruz, entre 1901 e 1904. Seja como for, é interessante o fato de Peryassú deixar Manguinhos, efervescente centro de estudos em entomologia médica e, apesar de suas credenciais, não ter feito especialização no exterior sobre mosquitos. Em 1907, enquanto Peryassú preparava a tese, Oswaldo Cruz planejou enviar Neiva, e não Peryassú, a Washington, para esse fim. Esse conjunto de dados sugere que, aparentemente, não estavam nos planos nem de Peryassú e nem de seu orientador o aprofundamento, a especialização e a construção da carreira de Peryassú como entomologista. E, de fato, sua vocação e sua experiência, como médico e sanitarista no SPFA, foram requisitadas naquele momento, sobrepondo-se ao estudo da taxonomia, sistemática e biologia dos mosquitos pelo resto de sua vida profissional. Talvez por isso, focado em outras atividades profissionais, Peryassú tenha subsequentemente tratado de forma mais superficial o estudo da sistemática desses insetos. Ainda assim, o conhecimento que acumulou nesse campo de estudos permitiu o aperfeiçoamento das suas ações como sanitarista e a realização de certas contribuições para as pesquisas básica e aplicada em mosquitos, como veremos mais à frente.

Entre 1909 e 1917, Peryassú teve importante atuação nas áreas do sanitarismo e ensino em Belém. Como médico bacteriologista do Serviço Sanitário do Estado, participou da luta empreendida pelo governador João Coelho (1852–1926) para livrar a cidade dos surtos epidêmicos de malária e febre amarela. Nesse contexto, foi nomeado chefe da Comissão de Saneamento para Combate à Malária, que erradicou a doença nas regiões do Marco da Légua, Pedreira e Canudos (1909), e médico auxiliar na célebre Comissão de Profilaxia da Febre Amarela, comandada por Oswaldo Cruz (1910–1911). Mesmo após ter deixado Manguinhos, Peryassú manteve laços pessoais e profissionais com seu diretor40 que, em visita a Belém, em 1910, indicou três ex-discípulos, entre os médicos locais, para a comissão: Jayme Aben-Athar (1883–1951), Afonso Mac-Dowell (1881-1958) e o próprio Peryassú.

A Comissão teve êxito e, em outubro de 1911, Oswaldo Cruz comunicou ao governador a erradicação da epidemia amarílica na capital paraense. Ainda nesse período, Peryassú se dedicou também ao ensino secundário e superior nas seguintes instituições: Colégio Progresso Paraense, Escola Normal, Faculdade Livre de Direito, Escola Livre de Odontologia e Escola de Farmácia, da qual foi diretor. Como médico, também atuou em consultórios particulares, no Hospital da Caridade e integrou a União Acadêmica do Pará e a Comissão de Microbiologia da Sociedade Médico-Cirúrgica do Pará.

Não há traços do desenvolvimento de pesquisa entomológica original feita por Peryassú nos anos em que esteve em Belém, tendo publicado apenas um folheto, "Prophylaxia da febre amarella", com instruções para o combate à doença46, e uma extensa matéria na primeira página do jornal Estado do Pará sobre clima, endemias e insetos vetores, intitulada "Saneamento do Pará". Entretanto, no exercício de suas ações sanitárias, prosseguiu eventualmente coletando insetos hematófagos, inclusive mosquitos, como indicam os agradecimentos feitos por Lutz e Neiva, pesquisadores de Manguinhos. Peryassú retornou ao Rio de Janeiro no dia 4 de junho de 1917. Nesse ano atuou como fiscal e consultor da Empresa de Produtos de Guaraná50 e médico, dando consultas como especialista em "moléstias tropicais e vias urinárias" ou de doenças do estômago, intestino, pulmão e geniturinárias, com destaque para a sífilis, na rua Gonçalves Dias, nº. 41, no Centro da cidade, onde também fazia exames laboratoriais. Em 1918, dez anos após realizar a tese em Manguinhos, Peryassú foi contratado como naturalista do Museu Nacional do Rio de Janeiro (MNRJ) pelo paraense Bruno Lobo (1884–1945), diretor da Instituição, e retomou suas atividades como entomologista. O contrato foi renovado em 1920, por mais três anos, e finalizado em 31 de dezembro de 1922. Como atribuição específica, Peryassú deveria incorporar os culicídeos capturados à Coleção Entomológica do Laboratório de Entomologia Geral e Aplicada, que era composta essencialmente por artrópodes de interesse agrícola e não possuía uma coleção específica desses dípteros vetores de doenças.

Ainda entre as décadas de 1930 e 1940, Peryassú se manteve ativo como professor no Rio de Janeiro. Ministrou disciplinas relacionadas às suas expertises profissionais – entomologia, parasitologia, história natural e biologia – em Cursos de Malariologia do Departamento de Saúde Pública, no Colégio Pedro II, no Liceu Francês, no Instituto La-Fayette, na Universidade do Brasil e na Universidade da Capital Federal, que era vinculada à Sociedade Propagadora do Ensino. Ao longo de sua trajetória como médico e sanitarista, Peryassú também se apresentou bastante produtivo do ponto de vista acadêmico. Entre 1923 e 1947, ano em que publicou o último texto, os estudos realizados pelo paraense versaram sobre mosquitos, incluindo-se o seu controle e a descrição de três espécies novas – Uranotania argenteopennis (= Uranotaenia nataliae Lynch Arribálzaga), Cycloleppteron rockefelleri [= Anopheles mediopunctatus (Lutz)], Anopheles alagoanii (= Anopheles peryassui Dyar & Knab). No total, Peryassú descreveu dez espécies de mosquitos, sendo que atualmente só três são consideradas válidas.

Notas

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Referências Bibliográficas

BIBLIOTECA NACIONAL DIGITAL (Brasil). Professor Dr. Antonio Gonçalves Peryassu (falecimento). Correio da Manhã, ed. 21167, 30 mar. 1962. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=089842_07&pagfis=27662&url=http://memoria.bn.br/docreader#.

NASCIMENTO, Teresa Fernandes Silva do et al. Inventário da coleção de mosquitos (Diptera: Culicidae) de Antonio Gonçalves Peryassú, do Museu Nacional, Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Fiocruz/IOC; Museu Nacional/UFRJ, 2020. 38 p. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/46345.

OLIVEIRA, Ricardo Lourenço de; LOURENÇO, Francisco dos Santos. A coleção de mosquitos de Antonio Gonçalves Peryassú do Museu Nacional, Rio de Janeiro: registro de memória de um patrimônio desaparecido. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, Rio de janeiro, v. 30, p. 1-13, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-59702023000100018.

OLIVEIRA, Ricardo Lourenço de; LOURENÇO, Francisco dos Santos. Antonio Gonçalves Peryassú e o estudo dos mosquitos para sanear o Brasil: uma resenha biográfica. Revista Pan-Amazônica de Saúde, v. 13, p. 1-13, 2022. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5123/s2176-6223202201328.

QUEIROZ, Claudete Fernandes de. Biblioteca de Manguinhos e Repositório Arca: preservando a memória institucional através da coleção PROMAN. In: NOS TRILHOS DA MEMÓRIA, PRESERVAÇÃO E ACESSO À INFORMAÇÃO EM SAÚDE. Rio de Janeiro: Icict/Fiocruz, 2021. 17 p. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/48860.